sexta-feira, 29 de janeiro de 2016



Presságio



Autor: Fernando Pessoa



O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…






quarta-feira, 27 de janeiro de 2016



Cantigas tristes...


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Gostava de ouvir cantigas suaves,
Como as das aves

Em melopeias divinais.
Agora, não ouço mais.

 
Também, ao contrário do herói Ulisses,
Tapei meus ouvidos

Para não ouvir o canto,

Que me parecia um pranto,
Das traiçoeiras sereias

No palco acústico se exibindo

Lá no báratro profundo

Da meu mar encapelado.

 Fiquei só,

 no silêncio da noite.

  
Geraldo de Castro Pereira


sábado, 23 de janeiro de 2016






                    
 

 

Dois   Amigos      um Urso

 

 

 

 

Dois amigos caminhavam
Por um verdejante prado.

De repente, apareceu

Um urso bem esfaimado.

 
Um deles viu uma árvore.
Subiu nela, apressadinho.

O outro enfrentou a fera,
 
Completamente sozinho.


 Apavorado, lembrou-se
De uma lição de seus pais:

“O urso de um cadáver

Não se alimenta jamais”.

 
Para fingir-se de morto,
Atirou-se logo ao chão.

E ali ficou imóvel,
Prendendo a respiração.

 
O animal se aproximou
Do homem ali estendido.

Virou-o de um lado e de outro
Com seu focinho cnxerido.

 
Desanimado, afastou-se,
Deixando o homem ileso.

Este, passado o perigo,
Ergueu-se, muito surpreso.

 
O amigo desceu da árvore
E veio, todo curioso,

Elogiando o colega

Pelo gesto corajoso.



 E foi logo perguntando
De um modo muito atrevido:

“O que o urso te disse

Bem perto de teu ouvido?”

 
O que fingiu de cadáver
Disse a seu falso amigo:

“O urso me deu um conselho
Que eu guardarei comigo:

 
“Não viajes nunca mais

Com aquele sujeitinho,
Que, fugindo do perigo,

Te abandonou sozinho!”.


 A fábula nos ensina
Esta importante verdade;

“No perigo se conhece
A verdadeira amizade”

 
Fábula atrbuída a Esopo, adaptada e versificada por mim.
 
 
Geraldo de Castro Pereira

 

 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016






                            
A Tartaruga   e a Lebre

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Vangloriava-se a lebre
 
Numa roda de animais:

“Sou o bicho mais veloz

Do que todos os demais.

Lanço aqui um desafio

Para uma grande corrida.

Deste lugar onde estamos

Será a nossa partida.

 
 O ponto final será

A cabeceira do rio.

Qual de vocês, meus amigos,

Aceita o meu desafio?”

A tartaruga, ali quieta,

Disse, calma e devagar:

“Eu aceito esta peleja.

Com certeza, irei ganhar”.

A lebre tomou um susto.

E assim disse, zombeteira:

“Minha amiga tartaruga,

Isto não é brincadeira.

 
Vou dançar na sua frente

Durante todo o caminho.

Quem sabe até amanhã

Você anda um pouquinho?”

 
Retrucou a tartaruga:

“Deixa de ser presunçosa!

No final você verá

Quem será vitoriosa”.

Começaram a corrida.

A lebre saiu na frente.

Apanhou grande distância

Da tartaruga indolente.

Então, para demonstrar

Desprezo à sua rival,

Foi tirar uma soneca

Pertinho de um matagal.

Enquanto isto, a tartaruga

Continuou a jornada.

Quando a lebre acordou,

Ficou toda apavorada.

 
Tentou correr mais depressa.

Mas, de nada adiantou:

A tartaruga primeiro

Ao ponto final chegou.

 
A fábula nos ensina

Esta lição de moral:

“Quem persiste, sempre alcança

O seu grande ideal”.


Fábula atribuída a Esopo, por mim adaptada e versificada.

Geraldo de Castro Pereira

domingo, 17 de janeiro de 2016





                
ESSA NEGA FULÔ

jorge de Lima



Mulher negra, modelo da forma, com as flores grandes em seu cabelo Fotos de Stock Royalty Free




Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.


Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!


Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!


Essa negra Fulô!


Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!


Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!


Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!


Essa negra Fulô!


"Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco".


Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!


Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".


Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!


Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!


Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!


O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).


Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!


Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!


Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!


O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.


Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!


Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?


Essa negra Fulô!

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016




                         
O VENTO  E  O   SOL

 

 

O vento e o sol disputavam

Qual dos dois era mais forte.

Viram logo caminhando

Um homem de grande porte.

 
“-Já sei como resolver

Esse nosso desafio:

Está vendo aquele homem?

Parece que está com frio.

 
Pois veste um grosso casaco

E está todo encolhido.

Assim, faço uma proposta

A você, vento atrevido:

 
Quem conseguir que o homem

Retire aquele casaco,

Com certeza é o mais forte,

E o outro será o fraco.”

 
O vento, todo vaidoso,

Topou logo a parada.

Quis então ser o primeiro

A cumprir a empreitada.

 
Soprou sobre o viajante

Com violência e energia.

Quanto mais ele soprava,

Mais o homem se cobria.

 
Ficou tão desanimado,

Abandonando a proeza.

Então foi a vez do sol,

Com toda a sua grandeza.
 

 Sobre aquele viajante

Raios ardentes lançou.

Com tanto calor, o homem

o seu casaco tirou.

 
Como moral da história,

Fica esta advertência:
“A bondade sempre vence

Toda a fúria e violência”.

 

Fábula de Esopo, adaptada e versificada por mim.

Geraldo de Castro Pereira

 

domingo, 10 de janeiro de 2016





                    
                 CROMO
 
 
 
                


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              No lago o sol se mira, sorridente,
              Ao murmurar das virações amenas.
              As aves, em sonoras cantilenas,
              Voam, roçando as águas, de repente.

 
              Dois cisnes vão singrando calmamente
               As águas cintilantes e serenas.
               E o deslumbrante branquejar das penas
               No lago se reflete, lindamente.

 
               Os cisnes, bem juntinhos, radiantes,
               Trocando beijos como dois amantes.
               Não se desgrudam desse ardente afago.

 
               Parecem dois barquinhos cor de neve,
               Num deslizar assim suave e leve
               Por sobre as mansas águas desse lago.
 
                    Geraldo de Castro Pereira
 
 
 



 

 

terça-feira, 5 de janeiro de 2016





            
VIDA DE UMA FLOR
 
 
 

 

 Eis uma pétala, sedosa e linda,

Que se desprende aos poucos, ressequida.

O vento a leva pela flora infinda,

Como um inseto que tivesse vida.

 

Assim a vejo lá em cima, erguida,

Sumir-se, pelos ares carregada.

Mas, não tarda, outra pétala ainda,

Baqueia pelo chão, enxovalhada.

 

Enfim, mais outras seguem seu caminho

E vão cravar-se num agudo espinho.

Até que a última, içando a vela

 

No mar do espaço arroja-se, impelida.

Passou ligeira esta pequena vida!

Não mais existe a flor mimosa e bela!

 

Geraldo de Castro Pereira.

sábado, 2 de janeiro de 2016

                  MONÓLOGO DAS MÃOS


                                        

                Para que servem as mãos? Para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever ...
               A mão de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau, salvou o trono da França e apagou a auréola do famoso revolucionário; Múcio Cévola queimou a mão que, por engano, não matou Porcena; foi com as mãos que Jesus amparou Madalena; com as mãos David agitou a funda que matou Golias; as mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena; Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência; os anti-semitas marcavam a porta dos judeus com as mãos vermelhas como signo de morte!
               Foi com as mãos que Judas pôs ao pescoço o laço que os outros judas não encontram. A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda; o operário construir e o burguês destruir; o bom amparar e o justo punir; o amante acariciar e o ladrão roubar; o honesto trabalhar e o viciado jogar.
              Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba! Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia! As mãos fazem os salva-vidas e os canhões; os remédios e os venenos; os bálsamos e os instrumentos de tortura, a arma que fere e o bisturi que salva.
             Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor. Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo como os peixes; no volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros.
             O autor do «Homo Rebus» lembra que a mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida; a primeira almofada para repousar a cabeça, a primeira arma e a primeira linguagem. Esfregando dois ramos, conseguiram-se as chamas.
             A mão aberta, acariciando, mostra a bondade; fechada e levantada mostra a força e o poder; empunha a espada, a pena e a cruz! Modela os mármores e os bronzes; dá cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e dá fantasia nas formas eternas da beleza. Humilde e poderosa no trabalho, cria a riqueza; doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos.
            O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade. O noivo para casar-se pede a mão de sua amada; Jesus abençoava com as mãos; As mães protegem os filhos cobrindo-lhes com as mãos as cabeças inocentes. Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica, ainda por muito tempo agitando o lenço no ar. Com as mãos limpamos as nossas lágrimas e as lágrimas alheias.
            E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando os fechamos para sempre, ainda as mãos prevalecem. Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram o corpo pequenino. E, no fim da vida, quando os olhos fecham e o coração para, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera, que continuam na morte as funções da vida. E as mãos dos amigos nos conduzem... E as mãos dos coveiros nos enterram!
                        

           Michel de Montaigne