quinta-feira, 29 de setembro de 2016




Coração


Guilherme de Almeida



Lembrança, quanta lembrança
Dos tempos que já lá vão!
Minha vida de criança,
Minha bolha de sabão!

Infância, que sorte cega,
Que ventania cruel,
Que enxurrada te carrega,
Meu barquinho de papel?

Como vais, como te apartas,
E que sozinho que estou!
Ó meu castelo de cartas,
Quem foi que te derrubou?

Tudo muda, tudo passa
Neste mundo de ilusão;
Vai para o céu a fumaça,
Fica na terra o carvão.

Mas sempre, sem que te iludas,
Cantando num mesmo tom,
Só tu, coração, não mudas,
Porque és puro e porque és bom!






sexta-feira, 23 de setembro de 2016

SER  SEU  AMIGO


VINICIUS DE MORAES
 

   Se eu morrer antes de você, faça-me um favor. Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado.
  Se não quiser chorar, não chore. Se não conseguir chorar, não se preocupe. Se tiver vontade de rir, ria. Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão. Se me elogiarem demais, corrija o exagero. Se me criticarem demais, defenda-me. Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam. Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo. Se falarem mais de mim do que de Jesus Cristo, chame a atenção deles. Se sentir saudade e quiser falar comigo, fale com Jesus e eu ouvirei. Espero estar com Ele o suficiente para continuar sendo útil a você, lá onde estiver. E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase: ' Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus!' Aí, então derrame uma lágrima. Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal. Outros amigos farão isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar de minha nova tarefa no céu. Mas, de vez em quando, dê uma espiadela na direção de Deus. Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele. E, quando chegar a sua vez de ir para o Pai, aí, sem nenhum véu a separar a gente, vamos viver, em Deus, a amizade que aqui nos preparou para Ele. Você acredita nessas coisas? Sim??? Então ore para que nós dois vivamos como quem sabe que vai morrer um dia, e que morramos como quem soube viver direito. Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo. Eu não vou estranhar o céu. . . Sabe por que? Porque... Ser seu amigo já é um pedaço dele!

 

terça-feira, 20 de setembro de 2016




UM BICHO

 

Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem

Manuel Bandeira

 

quinta-feira, 15 de setembro de 2016




RUA DAS RIMAS
 
 
Poema de Guilherme de Almeida
 
 
 
A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino
pequenino
é uma rua de poeta, reta, quieta, discreta,
direita, estreita, bem feita, perfeita,
com pregões matinais de jornais, aventais nos portais, animais e
varais nos quintais;
e acácias paralelas, todas elas belas, singelas, amarelas,
douradas, descabeladas, debruçadas como namoradas para as
calçadas;
e um passo, de espaço a espaço, no mormaço de aço baço e lasso;
e algum piano provinciano, quotidiano, desumano,
mas brando e brando, soltando, de vez em quando,
na luz rara de opala de uma sala uma escala clara que embala;
e, no ar de uma tarde que arde, o alarde das crianças do
arrabalde;
e de noite, no ócio capadócio,
junto aos lampiões espiões, os bordões dos violões;
e a serenata ao luar de prata (Mulata ingrata que mata...);
e depois o silêncio, o denso, o intenso, o imenso silêncio...
A rua que eu imagino, desde menino, para o meu destino
pequenino
é uma rua qualquer onde desfolha um malmequer uma mulher
que bem me quer
é uma rua, como todas as ruas, com suas duas calçadas nuas,
correndo paralelamente, como a sorte diferente de toda gente,
para a frente,
para o infinito; mas uma rua que tem escrito um nome bonito,
bendito, que sempre repito
e que rima com mocidade, liberdade, tranquilidade: RUA DA FELICIDADE...

   
 

 

segunda-feira, 12 de setembro de 2016







DEFICIÊNCIAS ( Mario Quintana )

                                             "Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.

                   "Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.

                                         "Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.

                                          "Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.
                                        "Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da   máscara da hipocrisia.
                                            "Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.
"Diabético" é quem não consegue ser doce.

"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.

                    E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:
"Miseráveis" são todos que não conseguem falar com Deus"


sábado, 10 de setembro de 2016




VERSOS

 

Florbela Espanca

 

 

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...

Pedaços de sorriso, branca espuma,

Gargalhadas de luz, cantos dispersos,

Ou pétalas que caem uma a uma...

Versos!... Sei lá! Um verso é o teu olhar,

Um verso é o teu sorriso e os de Dante

Eram o teu amor a soluçar

Aos pés da sua estremecida amante!

Meus versos!... Sei eu lá também que são...

Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração

Partido em mil pedaços são talvez...

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...

Meus soluços de dor que andam dispersos

Por este grande amor em que não crês...

 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016


DISCURSO  DE  POSSE  NA ACADEMIA DE LETRAS DE VILA VELHA -ES

 

Exmo. Sr. Presidente da Academia de Letras de Vila Velha, demais autoridades presentes, senhoras, senhores,

Prezados Confreiras e Confrades;

   Para mim é uma grande honra fazer parte desta conceituada Academia de Letras.   Há quase um ano, venho participando dos belos saraus que acontecem uma vez por mês na Academia. Encontrei, neste aprazível local,  um ambiente cordial e percebi, desde logo, o alto nível das apresentações. Os ilustres acadêmicos e os demais convidados se apresentam suas excelentes peças literárias, difundindo a cultura, que transcende o próprio Município de Vila Velha.

         Vim morar no Espírito Santo desde 1988 e já me sinto um capixaba de coração. “Tomei ao pé da letra o aforismo latino”: dum Romae  sis, romano vivito more” – quando estiveres em Roma, comporta-te como um romano’.

           Assim, eu assimilei os costumes desta maravilhosa terra, principalmente Vila Velha, tanto que tenho o diploma de cidadão honorário deste Município.

          E fico ainda mais feliz por ter como patrono o maior cronista do Brasil: Rubem Braga. Li várias crônicas dele e fiquei maravilhado.  Este grande escritor nasceu na “chamada capital secreta do mundo” - Cachoeiro de Itapemirim, ES, aos 12 de janeiro de 1913. Iniciou seus estudos primários naquela cidade, mas, quando já cursava o ginasial,aborreceu-se com um professor da Matemática, que o destratou, chamando de “burro”. Então, seus pais o enviaram para Niterói – Rio de Janeiro. Passou a  morar com alguns parentes da família. Estudou no Colégio Salesiano. Após o curso secundário, foi estudar Direito na Faculdade de Direito no Rio de Janeiro, mas acabou se transferindo para Belo Horizonte, MG, formando-se em 1932. Mas, jamais quis ser um causídico.

      No dizer do escritor capixaba Francisco Aurélio Ribeiro, “Rubem Braga “é o pai dos cronistas”. Graças a ele, Rubem Braga, a crônica, que era considerada “subliteratura”, tornou-se um gênero literário de suma importância. José Lins do Rego chamou Rubem Braga de” o poeta da crônica”.

     Cito aqui as principais obras do escritor:

    O Conde e o Passarinho, 1936;

     O Morro do Isolamento, 1944;Com a FEB na Itália, 1945;

    Um Pé de Milho, 1948;

    O Homem Rouco, 1949;

   50 Crônicas Escolhidas, 1951;

    Três Primitivos, 1954;

  A Borboleta Amarela, 1955;

  A Cidade e a Roça, 1957;

100                    crônicas Escolhidas, 1958;

  Ai de ti, Copacabana, 1960;

   Crônicas de Guerra - Com a FEB na Itália, 1964;

  A Cidade e a Roça e os Três Primitivos, 1964;

  A Traição das Elegantes, 1968;

  Crônicas do Espírito Santo, 1984 (Coleção Letras Capixabas);

  As Boas Coisas da Vida, 1988;

  O Verão e as Mulheres, 1990;

 200 Crônicas Escolhidas;

 Casa dos Braga: Memória de Infância (destinado ao público juvenil);

 Um episódio em Porto Alegre (Uma fada no front), 2002;

 Histórias do Homem Rouco;

 Os melhores contos de Rubem Braga (seleção David Arrigucci);

 Antonieta da Cunha) Global Editora, São Paulo, 2014;

O Menino e o Tuim;

Recado de Primavera;

Um Cartão de Paris;

Pequena Antologia do Braga;

O Padeiro;

    Li, ultimamente, o livro “Crônicas do Espírito Santo”, do autor em questão.

Em tal obra, o cronista enaltece vários municípios do Estado do Espírito Santo, principalmente sua terra natal.

     Também chegou às minhas mãos uma pequena, mas substanciosa obra sobre a vida de Rubem Braga, livro este que tem como coordenador o ilustre escritor capixaba, Antônio de Pádua Gurgel, com texto de Afonso Abreu, sobrinho do nosso famoso cronista.

     Este zeloso sobrinho, confidente de Rubem Braga, por ocasião da morte do tio querido, escreveu o seguinte poema:

 “Algumas sombras gazeiam pelos jardins do terraço.

Os pássaros perdidos das cidades

Descansam nos ramos vivos da tua paz,

Depois cantam serenatas às estátuas das chuvas.

Homem, que nos céus vives, e olhas para os rastros

Das sutilezas que viajaram pelos dias felizes teus...

E quase clamas pelas camas-chamas.

 

Flancos esquerdos e direitos

Mostram os olhos da noite, que

Choram orvalhos nas águas mundanas das algas.

 

Belga, belo amarelo do crepúsculo, prisioneiro das tuas saudades,

Gorjeia sozinho às rolinhas aflitas do teu viveiro aberto...

 

Ainda nos dias repentes,

Teus reflexos correrão pelos campos semeando

                                Os teus livros

                                os teus sonhos

                                as tuas vidas.”

 

  Além de cronista, Braga era também poeta.

Dentre muitos poemas, escolhi este lindo soneto:

“AO ESPELHO
Rubem Braga


Tu, que não foste belo nem perfeito,
Ora te vejo (e tu me vês) com tédio
E vã melancolia, contrafeito,
Como a um condenado sem remédio.

Evitas meu olhar inquiridor
Fugindo, aos meus dois olhos vermelhos,
Porque já te falece algum valor
Para enfrentar o tédio dos espelhos.

Ontem bebeste em demasia, certo,
Mas não foi, convenhamos, a primeira
Nem a milésima vez que hás bebido.

Volta, portanto a cara, vê de perto
A cara, tua cara verdadeira,
Oh Braga envelhecido, envilecido”.

 Também, dentre inúmeros outros, deixou-nos este pequeno texto poético, onde compara a flor com a mulher:

 É flor! É inacreditável como a mulher se parece com a flor. Fixemos uma flor. Sabemos o que é, como nasceu, e que morrerá. Mas nossa botânica não explica a frescura desse milagre; nem muito menos porque nos emociona. Podemos passar diante de uma casa de flores, e ver, e achar belas as flores. Mas a flor que de repente nasce no muro familiar, que adianta prová-la? É uma aparição; algo que traz do fundo da terra uma inesperada palavra de candor. Parece dizer: eis-me aqui. E não é apenas a brisa que a estremece: é a vida”.

    Na verdade, sua especialidade era mesmo a crônica, tenho o prazer de ler uma mini crônica do nosso escritor;

“O pombo-
     Vinícius de Moraes contava ter ouvido de uma sua tia-avó, senhora idosa muito boazinha, que um dia ela estava na sala de jantar, em sua casa do interior, quando um lindo pombo pousou na janela. A senhora foi se aproximando devagar e conseguiu pegar a ave. Viu então que em uma das patas havia um anel metálico onde estavam escritas umas coisas.
— Era um pombo-correio, titia. Pois é. Era muito bonitinho e mansinho mesmo. Eu gosto muito de pombo.
— E o que foi que a senhora fez?
A senhora olhou Vinícius com ar de surpresa, como se a pergunta lhe parecesse pueril:

— Comi, uai”.

 Graças a Rubem Braga, muitos dos ficcionistas e poetas nacionais mais respeitados passaram a cultivar, com carinho, esse gênero que começou a encher as páginas das melhores obras literárias, para o deleite dos leitores.

     Rubem Braga faleceu em 1990 no Rio de Janeiro, mas suas cinzas, como era seu desejo, foram lançadas no Rio Itapemirim.

     “Ele amava tanto sua terra, que escreveu a seguinte frase:” Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa: Eu sou lá de Cachoeiro”.

      Eis o resumo da vida do meu ilustre patrono.

      Agradeço aos meus falecidos pais a educação que deles recebi. Congratulo-me com familiares aqui presentes,com todas as minhas amigas e amigos, autoridades e demais pessoas que nos vieram prestigiar.

        Por último, saúdo os membros desta Academia com efusivos elogios e os agradeço por terem sufragado o meu nome para fazer parte desta Agremiação Literária tão importante, ora sob a direção do nosso culto e simpático Presidente Horácio.

      Meu muito obrigado.

Geraldo de Castro Pereira