segunda-feira, 5 de setembro de 2016


DISCURSO  DE  POSSE  NA ACADEMIA DE LETRAS DE VILA VELHA -ES

 

Exmo. Sr. Presidente da Academia de Letras de Vila Velha, demais autoridades presentes, senhoras, senhores,

Prezados Confreiras e Confrades;

   Para mim é uma grande honra fazer parte desta conceituada Academia de Letras.   Há quase um ano, venho participando dos belos saraus que acontecem uma vez por mês na Academia. Encontrei, neste aprazível local,  um ambiente cordial e percebi, desde logo, o alto nível das apresentações. Os ilustres acadêmicos e os demais convidados se apresentam suas excelentes peças literárias, difundindo a cultura, que transcende o próprio Município de Vila Velha.

         Vim morar no Espírito Santo desde 1988 e já me sinto um capixaba de coração. “Tomei ao pé da letra o aforismo latino”: dum Romae  sis, romano vivito more” – quando estiveres em Roma, comporta-te como um romano’.

           Assim, eu assimilei os costumes desta maravilhosa terra, principalmente Vila Velha, tanto que tenho o diploma de cidadão honorário deste Município.

          E fico ainda mais feliz por ter como patrono o maior cronista do Brasil: Rubem Braga. Li várias crônicas dele e fiquei maravilhado.  Este grande escritor nasceu na “chamada capital secreta do mundo” - Cachoeiro de Itapemirim, ES, aos 12 de janeiro de 1913. Iniciou seus estudos primários naquela cidade, mas, quando já cursava o ginasial,aborreceu-se com um professor da Matemática, que o destratou, chamando de “burro”. Então, seus pais o enviaram para Niterói – Rio de Janeiro. Passou a  morar com alguns parentes da família. Estudou no Colégio Salesiano. Após o curso secundário, foi estudar Direito na Faculdade de Direito no Rio de Janeiro, mas acabou se transferindo para Belo Horizonte, MG, formando-se em 1932. Mas, jamais quis ser um causídico.

      No dizer do escritor capixaba Francisco Aurélio Ribeiro, “Rubem Braga “é o pai dos cronistas”. Graças a ele, Rubem Braga, a crônica, que era considerada “subliteratura”, tornou-se um gênero literário de suma importância. José Lins do Rego chamou Rubem Braga de” o poeta da crônica”.

     Cito aqui as principais obras do escritor:

    O Conde e o Passarinho, 1936;

     O Morro do Isolamento, 1944;Com a FEB na Itália, 1945;

    Um Pé de Milho, 1948;

    O Homem Rouco, 1949;

   50 Crônicas Escolhidas, 1951;

    Três Primitivos, 1954;

  A Borboleta Amarela, 1955;

  A Cidade e a Roça, 1957;

100                    crônicas Escolhidas, 1958;

  Ai de ti, Copacabana, 1960;

   Crônicas de Guerra - Com a FEB na Itália, 1964;

  A Cidade e a Roça e os Três Primitivos, 1964;

  A Traição das Elegantes, 1968;

  Crônicas do Espírito Santo, 1984 (Coleção Letras Capixabas);

  As Boas Coisas da Vida, 1988;

  O Verão e as Mulheres, 1990;

 200 Crônicas Escolhidas;

 Casa dos Braga: Memória de Infância (destinado ao público juvenil);

 Um episódio em Porto Alegre (Uma fada no front), 2002;

 Histórias do Homem Rouco;

 Os melhores contos de Rubem Braga (seleção David Arrigucci);

 Antonieta da Cunha) Global Editora, São Paulo, 2014;

O Menino e o Tuim;

Recado de Primavera;

Um Cartão de Paris;

Pequena Antologia do Braga;

O Padeiro;

    Li, ultimamente, o livro “Crônicas do Espírito Santo”, do autor em questão.

Em tal obra, o cronista enaltece vários municípios do Estado do Espírito Santo, principalmente sua terra natal.

     Também chegou às minhas mãos uma pequena, mas substanciosa obra sobre a vida de Rubem Braga, livro este que tem como coordenador o ilustre escritor capixaba, Antônio de Pádua Gurgel, com texto de Afonso Abreu, sobrinho do nosso famoso cronista.

     Este zeloso sobrinho, confidente de Rubem Braga, por ocasião da morte do tio querido, escreveu o seguinte poema:

 “Algumas sombras gazeiam pelos jardins do terraço.

Os pássaros perdidos das cidades

Descansam nos ramos vivos da tua paz,

Depois cantam serenatas às estátuas das chuvas.

Homem, que nos céus vives, e olhas para os rastros

Das sutilezas que viajaram pelos dias felizes teus...

E quase clamas pelas camas-chamas.

 

Flancos esquerdos e direitos

Mostram os olhos da noite, que

Choram orvalhos nas águas mundanas das algas.

 

Belga, belo amarelo do crepúsculo, prisioneiro das tuas saudades,

Gorjeia sozinho às rolinhas aflitas do teu viveiro aberto...

 

Ainda nos dias repentes,

Teus reflexos correrão pelos campos semeando

                                Os teus livros

                                os teus sonhos

                                as tuas vidas.”

 

  Além de cronista, Braga era também poeta.

Dentre muitos poemas, escolhi este lindo soneto:

“AO ESPELHO
Rubem Braga


Tu, que não foste belo nem perfeito,
Ora te vejo (e tu me vês) com tédio
E vã melancolia, contrafeito,
Como a um condenado sem remédio.

Evitas meu olhar inquiridor
Fugindo, aos meus dois olhos vermelhos,
Porque já te falece algum valor
Para enfrentar o tédio dos espelhos.

Ontem bebeste em demasia, certo,
Mas não foi, convenhamos, a primeira
Nem a milésima vez que hás bebido.

Volta, portanto a cara, vê de perto
A cara, tua cara verdadeira,
Oh Braga envelhecido, envilecido”.

 Também, dentre inúmeros outros, deixou-nos este pequeno texto poético, onde compara a flor com a mulher:

 É flor! É inacreditável como a mulher se parece com a flor. Fixemos uma flor. Sabemos o que é, como nasceu, e que morrerá. Mas nossa botânica não explica a frescura desse milagre; nem muito menos porque nos emociona. Podemos passar diante de uma casa de flores, e ver, e achar belas as flores. Mas a flor que de repente nasce no muro familiar, que adianta prová-la? É uma aparição; algo que traz do fundo da terra uma inesperada palavra de candor. Parece dizer: eis-me aqui. E não é apenas a brisa que a estremece: é a vida”.

    Na verdade, sua especialidade era mesmo a crônica, tenho o prazer de ler uma mini crônica do nosso escritor;

“O pombo-
     Vinícius de Moraes contava ter ouvido de uma sua tia-avó, senhora idosa muito boazinha, que um dia ela estava na sala de jantar, em sua casa do interior, quando um lindo pombo pousou na janela. A senhora foi se aproximando devagar e conseguiu pegar a ave. Viu então que em uma das patas havia um anel metálico onde estavam escritas umas coisas.
— Era um pombo-correio, titia. Pois é. Era muito bonitinho e mansinho mesmo. Eu gosto muito de pombo.
— E o que foi que a senhora fez?
A senhora olhou Vinícius com ar de surpresa, como se a pergunta lhe parecesse pueril:

— Comi, uai”.

 Graças a Rubem Braga, muitos dos ficcionistas e poetas nacionais mais respeitados passaram a cultivar, com carinho, esse gênero que começou a encher as páginas das melhores obras literárias, para o deleite dos leitores.

     Rubem Braga faleceu em 1990 no Rio de Janeiro, mas suas cinzas, como era seu desejo, foram lançadas no Rio Itapemirim.

     “Ele amava tanto sua terra, que escreveu a seguinte frase:” Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem para não me deixar entrar, ele ficará indeciso quando eu lhe disser em voz baixa: Eu sou lá de Cachoeiro”.

      Eis o resumo da vida do meu ilustre patrono.

      Agradeço aos meus falecidos pais a educação que deles recebi. Congratulo-me com familiares aqui presentes,com todas as minhas amigas e amigos, autoridades e demais pessoas que nos vieram prestigiar.

        Por último, saúdo os membros desta Academia com efusivos elogios e os agradeço por terem sufragado o meu nome para fazer parte desta Agremiação Literária tão importante, ora sob a direção do nosso culto e simpático Presidente Horácio.

      Meu muito obrigado.

Geraldo de Castro Pereira

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