quarta-feira, 15 de novembro de 2017



ULTIMATUM

Mandado de despejo aos mandarins do mundo


Fora tu, reles esnobe plebeu,
E fora tu, imperialista das sucatas, charlatão da sinceridade,
E tu, da juba socialista, e tu, qualquer outro...
Ultimatum a todos eles e a todos que sejam como eles.
Todos!
Monte de tijolos com pretensões a casa,
Inútil luxo, megalomania triunfante...
E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir...

Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular,
Que confundis tudo: vós, anarquistas deveras sinceros,
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
Para quererem deixar de trabalhar...

Sim, todos vós que representais o mundo, homens altos,
Passai por baixo do meu desprezo;
Passai, aristocratas de tanga de ouro;
Passai, frouxos; passai, radicais do pouco...
Quem acredita neles?

Mandem tudo isso para casa descascar batatas simbólicas.
Fechem-me tudo isso a chave e deitem a chave fora!
Sufoco de ter somente isso a minha volta.
Deixem-me respirar, abram todas as janelas,
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo...

Nenhuma idéia grande, nenhuma corrente política
Que soe a uma ideia-grão...

E o mundo quer a inteligência nova, a sensibilidade nova...
O mundo tem sede de que se crie...
O que aí está a apodrecer a vida, quando muito, é estrume para o futuro.
O que aí está não pode durar, porque não é nada...
Eu, da raça dos navegadores, afirmo que não pode durar.
Eu, da raça dos descobridores, desprezo o que seja menos
Que descobrir um novo mundo...
Proclamo isso bem alto, braços erguidos, fitando o Atlântico
E saudando abstratamente o infinito.


Álvaro de Campos – 1917

(um dos heterônimos de Fernando Pessoa) 

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