segunda-feira, 31 de julho de 2017



SABEDORIA

J. G. DE  ARAÚJO  JORGE

Não te percas em vã filosofia...
O negócio é viver... Vive primeiro!
O pouco que alcançaste é o verdadeiro,
e o resto, sonho só, - tudo utopia.

Deixa passar o que não pode ser!
A esperança do vão, é doentia...
Ergue a mão ao que a mão pode colher
e ao que está longe, esquece e renuncia...

Se tiver que chegar o inesperado,
colhe-o, que essa é a atitude de quem vence:
saber colher o bem predestinado...

A vida é o mais efêmero dos bens.
Nela em verdade, nada te pertence,
nem sabes aonde vais...nem de onde vens...


segunda-feira, 24 de julho de 2017



          O MENINO DE RUA


           Quando eu morava no Rio de Janeiro, em Copacabana, quase todas as manhãs gostava de fazer minhas caminhadas pelo calçadão da Avenida Atlântica. Era um vaivém de pessoas, quase se esbarrando umas contra as outras.
           Um dia, saí de casa mais cedo. Fazia um frio daqueles. Peguei um casaco velho e joguei-o sobre os ombros e iniciei o meu percurso costumeiro, desviando-me dos transeuntes e dos cocôs de cachorro.
            Andei uns dois quilômetros. Quando estava já perto da Praia do Leme, parei um pouquinho e vi deitado na areia um menino franzino, de pele escura. Vestia uma bermuda toda suja. Imundo também ele estava e sem camisa. Dormia profundamente.
            Aproximei-me dele. As pessoas transitavam pela calçada, sem sequer lançar um olhar sobre aquele ser humano ali jogado.
           Deu-me um aperto no peito e senti pena do garoto. Lembrei-me da minha sofrida infância. Morava na roça e trabalhava, de sol a sol, com meu pai.
          Não quis acordar a criança. Tirei meu casaco e, bem devagarzinho, coloquei-o sobre aquele corpo ali encolhidinho, certamente com muito frio. 
          O menino devia ter uns oito anos de idade. Talvez não tivesse pai nem mãe, nem ninguém para cuidar dele. Tinha comigo uma nota de cinquenta reais. Consegui enfiá-la no bolso interno do agasalho doado e me afastei. Continuei minha caminhada.
          No dia seguinte – era um sábado – não iria trabalhar. Fui dar uma volta pela linda Praia de Copacabana. E quem eu vi?  Aquele menino, vestido com o meu casaco e vendendo balas.
         Cheguei perto dele e comprei todas as balas e ainda lhe dei dez reais para ele comprar um lanche. Então, perguntei-lhe: “Você vende balas sempre por aqui? Mora onde?”
        Ele respondeu; “Meu pai está preso e minha mãe faleceu. Não tenho irmãos. Quando consigo um dinheirinho, compro balas para revender. E assim vou vivendo. Mas, ontem tive muita sorte: uma pessoa de Deus me deu esse casaco e deixou dentro dele cinquenta reais. Apanhei a grana, tomei um café reforçado. Com o resto, comprei estas balas. E agora o senhor está comprando todas. Deus lhe pague’”.
       Cabisbaixo, deixei o menino e segui andando. Mas, revoltado, gritei: “onde se esconde o pessoal dos Direitos Humanos?”  

       E pensei: “quantas crianças estão morando na rua, em condições infra-humanas, meu Deus!”.  Fechei o punho e dei um soco no ar.

Autor: Geraldo de Castro Pereira

sexta-feira, 21 de julho de 2017


   "SEU" JOÃO DE DEUS

(lembranças da minha infância)


Era um alegre velhinho,
De cor bastante  trigueira.
Era nosso bom vizinho
Doutro lado da porteira.

Todos os dias eu via
O bom velhinho passar.
Com a enxada às costas ia
Para roça trabalhar
.
Trabalhava todo o dia
No seu pequeno roçado.
O sol de cheio batia
Em seu rosto já queimado.

A enxada ia resvalando
Levemente pelo chão,
Enquanto o velho entoava
Linda e sentida canção.

E quando o dia, já findo,
À tarde dava lugar,
Ele deixava, sorrindo,
O seu duro  labutar.

Mas, quando seu vulto sereno
Despontava no caminho,
E, para nós, num aceno,
Esbanjava seu carinho,

Nós, quais pássaros em bando,
Correndo, de pé no chão,
Íamos logo gritando:
“ ê, “seu” , João!  Lá vem “seu” João!  ¨ -

E ele, com toda a presteza,
Para nós feliz sorria.
Dizia-nos,com leveza:
“minhas crianças, bom dia!”
.
E nós – feliz criançada –
como aves a gorjear,
Íamos  sempre à morada
Do “seu” João passear.

Após muita diversão,
Despedíamos, lembrando
Do bom velhinho” seu” João,
Com aquele semblante brando.                      

E assim contente vivia
O nosso velho “seu” João,
Trabalhando todo o dia,
Cheio de calos na mão.

Mas, um dia aconteceu
Quando estava a capinar,
 Um espinho no pé seu
 Sorrateiro, penetrar.

E o pobre velho coitado
Não pôde mais caminhar.
Tinha que ficar deitado,
Sem poder mais trabalhar.

Quando  fui ao Seminário,
Despedi-me, pesaroso,
Do nosso sexagenário
Nesse estado lastimoso.

Mas, horrendo pensamento
Na minha alma vi nascer.
Seria um pressentimento
De jamais torná-lo a ver?.

Muitos anos transcorreram.
Mas, um dia , tão dorido,
Os meus pais me escreveram
Que “seu” João tinha morrido.

Eu fiquei muito tristonho
Com a morte do ”seu” João.
Pareceu-me vê-lo em sonho,
Estendido num caixão.

Longe, eu pensei, sozinho,
com um suspiro profundo:
“¨Está no céu o velhinho,
Pois fez tanto bem no mundoӬ.

Mas, hoje, nele pensando,
Parece-me vê-lo então ,
Com a enxada capinando
   O mato verde do chão.

Geraldo de Castro Pereira


sexta-feira, 14 de julho de 2017



          O MENINO LEVADO DA BRECA

            Joaquim, por todos chamado de “Quinzinho”, era um menino franzino, com suas pernas cheias de perebas devido a picadas de mosquitos. Piolhos fervilhavam em sua cabeça. Andava descalço, porque seus pais não tinham condições de comprar para ele nem sequer um chinelo dos mais baratos. Por isso, os chamados “bichos de pé” faziam a festa entre seus dedos do pé.
           O coitado nasceu e vivia num pequeno sítio. Usava umas calças remendadas, que iam até o joelho, uma camiseta desbotada e um chapeuzinho de palha.
         Mas do que ele mais gostava era caçar passarinhos. Fazia pelotas de barro e as queimava para servirem de projéteis colocados em seu estilingue. Tinha uma pontaria daquelas.
         Sua mãe lhe fizera uma capanga de pano velho. Ele a enchia com as pelotas de barro e saía pelas matas. Voltava para casa com mais de dez passarinhos abatidos pelo seu certeiro estilingue.
        Ele mesmo depenava as avezinhas e as colocava numa panela fervendo.Depois, pedia para sua mãe fritá-las numa grande caçarola. E, sofregamente, devorava tudo com farinha de milho.                                
        Apanhava também tanajuras e enfiava um palito no traseiro delas para fazê-las girar e elas ficavam batendo as asinhas, desesperadas, até morrerem.
        Coitadinhas das cigarras. Amarrava linhas no pescocinho delas para, presas, fazerem-nas voar, como se fossem pequenas pipas. Morriam estranguladas pelas linhas cortantes.
        De noite, pegava uma vara de bambu e a sacudia para capturar morcegos; apanhava vaga-lumes e os colocava dentro de um vidro com algodão para servirem de pequenas lanternas.
        De outra feita, com seu bodoque acertou um beija-flor que avidamente sugava o néctar das flores da paineira exuberante existente no meio de um pasto. Correu com o pássaro na mão, e, alegremente, foi mostrá-lo à sua mãe. Levou uma tremenda represália. Ela lhe disse: ---“meu filho, esta avezinha é de Nossa Senhora. Você não pode fazer-lhe mal”. Dona Filomena, sua mãe, colocou a ave debaixo de uma bacia de alumínio e deu várias batidas por cima. Ao levantar a bacia, a ave estava vivinha e saiu voando, ainda meio tonta.
          Numa bela manhã toda ensolarada, como seu pai estava trabalhando no garimpo já fazia quase um mês, resolveu prender um franguinho dentro de um pequeno armário. Quando seu pai chegou, Quinzinho correu para tirar seu prisioneiro do armário. Qual não foi sua desilusão, ao verificar que o penoso já estava morto e até fedendo. Ele se esqueceu de dar-lhe água e comida e deixar uma fresta para o pobrezinho respirar.
          Certa vez, quando sua mãe estava fazendo doce de marmelo num grande tacho de cobre, o menino ficou ali por perto. De repente, enfiou uma colher de pau no tacho para experimentar a guloseima. A colher caiu, com o doce ainda fervendo, em cima de seu pé. Sem saber o que fazer com tanta dor, mergulhou o pé numa bacia com água, deixando-o em carne viva. E, para complicar a situação, seu pai aplicou um produto na ferida, próprio para tratar aftosas de animais. A ferida agravou-se mais ainda e demorou quase um ano para cicatrizar-se.                                                                 Um dia, montando em um jumentinho, foi levar comida para seu pai, que estava consertando uma estrada de carro de boi cerca de uns cinco quilômetros do sítio. No caminho, do outro lado da cerca de arame, viu um filhote de anum.
   Sem demora, apeou-se do animal, largou a marmita de comida no chão e avançou para cima do filhotinho para apanhá-lo. Nem enxergou a cerca. Ficou todo arranhado pelo arame. Em razão do fato, a comida chegou fria às mãos de seu papai. Levoi dele uma surra daquelas. E seu pai lhe perguntou:
- “para que serve um filhote de anum, uma ave que não canta bonito e se alimenta de vermes e carrapatos de animais?”
“Ah, pai, ele era tão bonitinho! Meu vizinho cria até um urubu em sua casa.”
  Só mesmo coisas de um menino levado da breca! Mas, que divertimentos poderia ter uma criança vivendo numa roça?

Autor: Geraldo de Castro Pereira

domingo, 9 de julho de 2017




A Criança


Este mundo  certamente  
                           
Sem graça pra nós seria, 
                               ,
Se não houvesse criança 
                              ,
Para nos dar alegria.   
   
                            
Sem as crianças o mundo

Perderá suas raízes.

Vamos então protegê-las,

Tornando-as mais felizes.


Fico tristonho ao ver

Desamparada a criança.

Muitas vezes sem um  lar,

Sem os pais, sem esperança.


O trabalho infantil

Deve ser erradicado.

Está na Constituição

Este princípio sagrado.


Trabalhei, quando menino,

Fazendo quase de um tudo,

Em prejuízo à saúde,

Principalmente ao estudo.


Só fui para uma escola

Aos onze anos de idade,

Pois eu morava na roça,

Bem longe da cidade.


No Brasil isto é comum,

Máxime em zonas rurais,

Devido à muita pobreza

E ignorância dos pais.


Que o Estatuto da Criança

Não fique só no papel.

Vamos, pois, fiscalizar

O seu cumprimento fiel.


Autor: Geraldo de Castro Pereira



terça-feira, 4 de julho de 2017




         J U S T I Ç A

Poema de Dulcinéia Zulmach Lemos Pereira.

Justiça, creio em ti,
Em tua força e sabedoria!
Tu que, mesmo antes do princípio da isonomia,
Sempre foste desejada pelos que te integram.
Esperada por todos que te almejam,

Representada por um símbolo genérico: mulher.
Sexo frágil, mas forte para decidir.
Simples estatueta, mas complicada para ser entendida.
Dona de desejos alheios, escrava de regras,
Fascinante em teus mistérios,
Sedutora em teu silêncio
Explosiva em tuas palavras.

Coerente, imparcial,
Sempre com olhos vendados
Para que não perdurem dúvidas
Quanto aos pesos a serem contrabalanceados

Justiça, aclamada pelas multidões,
Todos esperam por ti.
Alguns te usam como escudo para encobrir erros próprios.
Assim agem, porque não te conhecem.
Pois, se assim fosse, não usariam o teu nome em vão.
Acham que têm o poder de negociar-te,
Como se tu pertenceste só a este mundo.
Pobres coitados!
Não entendem que és aqui instrumento dos homens.
Mas de onde vieste, és instrumento de Deus

..." Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem.."