sexta-feira, 21 de julho de 2017


   "SEU" JOÃO DE DEUS

(lembranças da minha infância)


Era um alegre velhinho,
De cor bastante  trigueira.
Era nosso bom vizinho
Doutro lado da porteira.

Todos os dias eu via
O bom velhinho passar.
Com a enxada às costas ia
Para roça trabalhar
.
Trabalhava todo o dia
No seu pequeno roçado.
O sol de cheio batia
Em seu rosto já queimado.

A enxada ia resvalando
Levemente pelo chão,
Enquanto o velho entoava
Linda e sentida canção.

E quando o dia, já findo,
À tarde dava lugar,
Ele deixava, sorrindo,
O seu duro  labutar.

Mas, quando seu vulto sereno
Despontava no caminho,
E, para nós, num aceno,
Esbanjava seu carinho,

Nós, quais pássaros em bando,
Correndo, de pé no chão,
Íamos logo gritando:
“ ê, “seu” , João!  Lá vem “seu” João!  ¨ -

E ele, com toda a presteza,
Para nós feliz sorria.
Dizia-nos,com leveza:
“minhas crianças, bom dia!”
.
E nós – feliz criançada –
como aves a gorjear,
Íamos  sempre à morada
Do “seu” João passear.

Após muita diversão,
Despedíamos, lembrando
Do bom velhinho” seu” João,
Com aquele semblante brando.                      

E assim contente vivia
O nosso velho “seu” João,
Trabalhando todo o dia,
Cheio de calos na mão.

Mas, um dia aconteceu
Quando estava a capinar,
 Um espinho no pé seu
 Sorrateiro, penetrar.

E o pobre velho coitado
Não pôde mais caminhar.
Tinha que ficar deitado,
Sem poder mais trabalhar.

Quando  fui ao Seminário,
Despedi-me, pesaroso,
Do nosso sexagenário
Nesse estado lastimoso.

Mas, horrendo pensamento
Na minha alma vi nascer.
Seria um pressentimento
De jamais torná-lo a ver?.

Muitos anos transcorreram.
Mas, um dia , tão dorido,
Os meus pais me escreveram
Que “seu” João tinha morrido.

Eu fiquei muito tristonho
Com a morte do ”seu” João.
Pareceu-me vê-lo em sonho,
Estendido num caixão.

Longe, eu pensei, sozinho,
com um suspiro profundo:
“¨Está no céu o velhinho,
Pois fez tanto bem no mundoӬ.

Mas, hoje, nele pensando,
Parece-me vê-lo então ,
Com a enxada capinando
   O mato verde do chão.

Geraldo de Castro Pereira


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