sábado, 11 de julho de 2015
O B E N Z E D O R
Quando morava em Vitória, capital do Espírito Santo, adquiri um sítio na montanha, perto de um lugarejo chamado Aracê. Minha propriedade ficava cerca de quinze quilômetros da BR 101.
A estrada era de terra.Quando chovia muito, virava um tormento. Muita lama e os caminhões e carros tinham muita dificuldade em transitar por ali.
Construí um casinha toda de madeira perto de uma nascente cristalina. Aquele barulhinho da água rolando sobre os pedregulhos soava como música para meus ouvidos. Lá era o meu refúgio da vida agitada de juiz que levava no Tribunal.
Eu tinha um vizinho, um senhor idoso, de nome José. Todos o chamavam de "seu Zé". Morava com sua esposa, Dona Maria, um senhora simples, mas de muito bom coração. A casinha deles era de pau a pique, rebocada de barro, com telhado de amianto, chão batido.O banheiro ficava do lado de fora, num pequeno cômodo, coberto de sapé.
Eu o visitava muito, pois gostava de prosear com ele. Além disso, sua esposa preparava um café, o pó torrado na hora. Que delícia, servido em copos esmaltados. Não me esquecia de levar sempre uns biscoitos de polvilho para eles.
'Seu' Zé era muito conhecido em todos os arredores dali, por ser um curandeiro. Só tinha um vício: a bebida. A venda, da qual era ele frequentador assíduo,distava uns três quilômetros. Montava em seu cavalinho e ia tomar da "branquinha", até ficar de porre.
Dona Maria quase arrancava seus cabelinhos de neve, de tanta preocupação. Mas, o cavalinho, depois de tantas idas e vindas, conhecia o trajeto de olhos fechados e trazia seu dono, são e salvo.
De manhã cedo, quantas vezes vi o animal solto, ainda arreado, tentando pastar, embora o freio o atrapalhasse um pouco. Eu ia até lá e lhe arrancava o incômodo bridão.Só não tirava o arreio.
Qualquer probleminha de saúde que eu tinha, vinha meu vizinho curandeiro querendo me benzer. Eu deixava, embora não acreditasse em nada daquilo. Ele rezava uma oração comprida, mista de palavras por ele inventadas e orações da Igreja Católica.
Muitas pessoas acreditavam mesmo nas rezas e contavam terem sido curadas.
Um dia, um empregado meu, so descascar uma cana, fez um corte profundo em seu dedo.
Correu para a casa do "seu" Zé, para pedir ajuda. O sangue escorria sem parar.
O benzedor imediatamente amarrou um pano no local da ferida, apanhou umas folhas de árvore, molhou-as na bica, segurou o dedo sanguinolento do rapaz e começou a rezar. Primeiro, fez o sinal da cruz. Em seguida, proferiu as seguintes palavras: "Deus é o sol, Deus é a lua, Deus é a claridade.Se tem sangue nesse dedo, não fique com medo. Peço a Jesus Cristo para, com suas mãos, estancar o sangue do Zael (era o nome do meu empregado), em nome de Deus e da Santíssima Trindade".
Rezou depois três Ave-Marias e um "Pai-Nosso". Esfregou o ramo molhado no dedo do moço e terminou com o sinal da cruz.
Acredite quem quiser: o dedo do rapaz parou de sangrar, quando o curandeiro acabou sua reza.
Em outra ocasião, um vizinho correu para a casa do benzedor e gritou: "seu"Zé, seu cavalinho está se estrebuchando no chão. Vai morrer. Acuda".
Eu estava perto. "Seu" Zé chegou sem nenhuma pressa.Imedantamente, perguntei:
"Seu Zé",, não vai rezar para o cavalo ficar bom?"
Simplesmente, respondeu:
"Minhas rezas não podem ser usadas em meu próprio benefício. Deixe morrer".
Diante do quadro e com pena do animal, chamei outro vizinho, de nome Aprígio. Veio correndo. Preparou uma garrafada com água,arnicão e álcool. Enfiou na garganta do bicho e despejou todo o conteúdo. Daí a pouco, o muar começou a espernear-se, vomitou uma quantidade de capim, misturado com folhas. Devagar, foi-se levantando, ensaiou uns passos, aprumou-se e começou a andar. Estava curado.
E aí pensei na verdadeira frase:"santo de casa não faz milagre".
Geraldo de Castro Pereira.
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