terça-feira, 28 de julho de 2015




                        A   C O R I S T A



                                


                       Domingo ensolarado, após um sábado de muita chuva. Levantei-me da cama, ainda meio sonolento. Eram oito horas, A missa na igrejinha "Epírito Santo" começaria exatamente às nove horas.
                      Tomei um rápido banho, fiz minha higiene matinal. Ingeri uma xícara de chá de hortelã com uns biscoitos de maizena. Aprontei-me e fui a pé para a igreja.
                      Cheguei antes do padre iniciar a cerimônia. Sentei-me num banco lateral, donde poderia ver o altar e também o lugar onde estava o coral.
                      De repente, ouvi uma linda voz, entoando um salmo em gregoriano. Procurei localizar a dona da voz. Reconheci logo de quem se tratava, apesar do longo tempo decorrido:quase quarenta anos. Como estava ela envelhecida! Disfarçava a idade com a pintura dos cabelos, vestida de forma discreta, como convém a uma corista de igreja.
                      Muitas pessoas viraram o rosto, à procura da cantora misteriosa.
                      Nelita! Era este o nome dela. Conheci-a quando tinha ela uns dezoito anos e eu já estava com quase vinte e sete.
                      Como era bonita! Faces bem rosadas, cabelos pretinhos caindo pelos ombros,olhos da cor de jabuticaba, seios médios, bem magrinha, pernas torneadas e de estatura mediana.
                      Naquele tempo, com ela fiquei encantado. Mas, triste notícia: possuía um namorado bem nutrido, espadaúdo,com fama de brigão e um tanto ciumento. Era atleta do clube de futebol do bairro.
                     Mesmo assim, ousei aproximar-me da moça e correspondido fui.
;                    Chegamos a marcar um encontro furtivo. Compareci com antecedência de dez minutos.
                     Mas, qual não foi a minha frustração! Quando ela estava quase próxima de mim, foi interceptada pelo zeloso e prepotente namorado. Como descobriu? Parecia um cão perdigueiro, com faro apurado.
                      - "Posso saber aonde a senhorita vai?" - indagou, nervoso.
                      " A lugar nenhum; apenas dando uma voltinha" - respondeu a moça, despistando.

                     Só vi o truculento rapaz passando o braço sobre o ombro dela, levando-a para bem longe dali.
                      Fiquei estático, como um pateta, sem saber qual atitude tomar. Como enfrentar aquele brutamonte?
                      Encontrei-a outras vezes, mas não tive mais coragem de avizinhar-me dela. De longe,num descuido,vi-a, um dia, acenando para mim.
                      Após alguns meses, fui morar em São Paulo. Depois de ínvios caminhos, fui trabalhar no Espírito Santo como juiz. Lá eu me aposentei e voltei a morar em Belo Horizonte.
                     Quando a missa terminou, fiquei por ali, esperando-a passar. Sem que me reconhecesse, pude examiná-la com detalhes: magra, quase sexagenária pelas minhas contas, cheia de rugas faciais e varizes nas pernas. Talvez tivesse filhos. Seu marido, com certeza mais velho que eu, estaria alquebrado sob o peso dos anos, sem mais aquele vigor juvenil.
                     Se eu tivese um novo encontro com ela, certamente nada mais sentiria por ela e nem ela sentiria por mim. O tempo castiga as pessoas.
                    A existência é assim mesmo. É como apregoou Vítor Hugo:" A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace".

                   Geraldo de Castro Pereira.

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