sábado, 30 de dezembro de 2017

RECEITA DE ANO NOVO


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE



Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido),
para você ganhar um ano,
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que, por decreto de esperança,
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017






Florbela Espanca

Eu tenho pena da Lua!
Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca, na rua
A vejo chorar sozinha!...


As rosas nas alamedas,
E os lilases cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas


Só a triste, coitadinha...
Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha ...


Eu chego então à janela:
E fico a olhar para a lua...
E fico a chorar com ela! ...

 

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Certezas



MÁRIO QUINTANA


Não quero alguém que morra de amor por mim…
Só preciso de alguém que viva por mim, que queira estar junto de mim, me abraçando.
Não exijo que esse alguém me ame como eu o amo, quero apenas que me ame, não me importando com que intensidade.
Não tenho a pretensão de que todas as pessoas que gosto, gostem de mim…
Nem que eu faça a falta que elas me fazem, o importante pra mim é saber que eu, em algum momento, fui insubstituível… E que esse momento será inesquecível..
Só quero que meu sentimento seja valorizado.
Quero sempre poder ter um sorriso estampando em meu rosto, mesmo quando a situação não for muito alegre… E que esse meu sorriso consiga transmitir paz para os que estiverem ao meu redor.
Quero poder fechar meus olhos e imaginar alguém… e poder ter a absoluta certeza de que esse alguém também pensa em mim quando fecha os olhos, que faço falta quando não estou por perto.
Queria ter a certeza de que apesar de minhas renúncias e loucuras, alguém me valoriza pelo que sou, não pelo que tenho…
Que me veja como um ser humano completo, que abusa demais dos bons sentimentos que a vida lhe proporciona, que dê valor ao que realmente importa, que é meu sentimento… e não brinque com ele.
E que esse alguém me peça para que eu nunca mude, para que eu nunca cresça, para que eu seja sempre eu mesmo.
Não quero brigar com o mundo, mas se um dia isso acontecer, quero ter forças suficientes para mostrar a ele que o amor existe…
Que ele é superior ao ódio e ao rancor, e que não existe vitória sem humildade e paz.
Quero poder acreditar que mesmo se hoje eu fracassar, amanhã será outro dia, e se eu não desistir dos meus sonhos e propósitos,
talvez obterei êxito e serei plenamente feliz.
Que eu nunca deixe minha esperança ser abalada por palavras pessimistas…
Que a esperança nunca me pareça um “não” que a gente teima em maquiá-lo de verde e entendê-lo como “sim”.
Quero poder ter a liberdade de dizer o que sinto a uma pessoa, de poder dizer a alguém o quanto ele é especial e importante pra mim, sem ter de me preocupar com terceiros… Sem correr o risco de ferir uma ou mais pessoas com esse sentimento.
Quero, um dia, poder dizer às pessoas que nada foi em vão… Que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades e às pessoas,
que a vida é bela sim, e que eu sempre dei o melhor de mim… e que valeu a pena.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017




Canção

Cecília Meireles


No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas…
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto
Quando as ondas te carregaram,
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.


quarta-feira, 15 de novembro de 2017



ULTIMATUM

Mandado de despejo aos mandarins do mundo


Fora tu, reles esnobe plebeu,
E fora tu, imperialista das sucatas, charlatão da sinceridade,
E tu, da juba socialista, e tu, qualquer outro...
Ultimatum a todos eles e a todos que sejam como eles.
Todos!
Monte de tijolos com pretensões a casa,
Inútil luxo, megalomania triunfante...
E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir...

Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular,
Que confundis tudo: vós, anarquistas deveras sinceros,
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
Para quererem deixar de trabalhar...

Sim, todos vós que representais o mundo, homens altos,
Passai por baixo do meu desprezo;
Passai, aristocratas de tanga de ouro;
Passai, frouxos; passai, radicais do pouco...
Quem acredita neles?

Mandem tudo isso para casa descascar batatas simbólicas.
Fechem-me tudo isso a chave e deitem a chave fora!
Sufoco de ter somente isso a minha volta.
Deixem-me respirar, abram todas as janelas,
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo...

Nenhuma idéia grande, nenhuma corrente política
Que soe a uma ideia-grão...

E o mundo quer a inteligência nova, a sensibilidade nova...
O mundo tem sede de que se crie...
O que aí está a apodrecer a vida, quando muito, é estrume para o futuro.
O que aí está não pode durar, porque não é nada...
Eu, da raça dos navegadores, afirmo que não pode durar.
Eu, da raça dos descobridores, desprezo o que seja menos
Que descobrir um novo mundo...
Proclamo isso bem alto, braços erguidos, fitando o Atlântico
E saudando abstratamente o infinito.


Álvaro de Campos – 1917

(um dos heterônimos de Fernando Pessoa) 

quinta-feira, 9 de novembro de 2017




Quando encontrar alguém..

Carlos Drummond de Andrade

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida. Se os olhares se cruzarem e, neste momento, 22houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios fôr intenso, se o beijo fôr apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba que existe algo mágico entre vocês. Se o primeiro e o último pensamento do seu dia fôr essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Algo do céu te mandou um presente divino — o Amor
Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum motivo e, em troca, receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, entregue-se: vocês foram feitos um para o outro. Se por algum motivo você estiver triste, se a vida lhe deu uma rasteira e a outra pessoa sofrer o seu sofrimento, chorar as suas lágrimas e enxugá-las com ternura, que coisa maravilhosa: você poderá contar com ela em qualquer momento de sua vida.
Se você conseguir, em pensamento, sentir o cheiro da pessoa como se ela estivesse ali do seu lado… Se você achar a pessoa maravilho- samente linda, mesmo ela estando de pijamas velhos, chinelos de dedo e cabelos emaranhados… Se você não consegue trabalhar o dia todo, ansioso pelo encontro que está marcado para a noite… Se você não consegue imaginar, de maneira nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado…
Se você tiver a certeza que vai ver a outra envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção que vai continuar sendo louco por ela… Se você preferir fechar os olhos, antes de ver a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida. Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes na vida, poucas amam ou encontram um amor verdadeiro. Às vezes encontram e, por não prestarem atenção nesses sinais, deixam o amor passar, sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.
É o livre arbítrio. Por isso, preste atenção nos sinais. Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o Amor!!


quinta-feira, 2 de novembro de 2017





Desencanto


Manuel Bandeira


Eu faço versos como quem chora
De desalento , de desencanto.
Fecha meu livro,se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue , volúpia ardente
Tristeza esparsa , remorso vão.
Dói-me nas veias amargo e quente,
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

Eu faço versos como quem morre.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017



O Teu Riso


Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra,
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, na hora
mais obscura desfia
o teu riso. E,se de súbito,
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

Perto do mar no outono,
o teu riso deve ergue
a sua cascata de espuma.
E na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
curvas da ilha,
ri-te deste rapaz
desajeitado que te ama,
mas, quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos se forem,
quando os meus passos voltarem,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas o teu riso nunca,
porque sem ele morreria.



Pablo Neruda 

domingo, 22 de outubro de 2017




Para quê?!


Florbela Espanca (poetisa portuguesa)


Tudo é vaidade neste mundo vão…
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, esta canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!…

Beijos de amor! Pra quê?! … Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!…

segunda-feira, 16 de outubro de 2017



SIC TRANSIT GLORIA MUNDI

Abandonaste-me por eu ser pobre,
Vendendo tua alma por dinheiro.
Onde ficou aquele porte nobre
Que ostentavas de modo altaneiro?

Éramos jovens - isto é verdade.
Mas, eu tinha o meu sonho bem guardado
De ir em busca da felicidade
E lutar com denodo ao teu lado.

Agora estou idoso neste mundo
E vivo com decência a minha vida.
E tu também estás envelhecida,

Mas vives só, naquele asilo imundo.
Onde estão teu orgulho e teu conforto?
Contigo tudo está sepulto e morto!


Geraldo de Castro Pereira

quinta-feira, 12 de outubro de 2017




A criança que fui chora na estrada...




A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.


Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.


Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,


Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.


FERNANDO PESSOA.


domingo, 8 de outubro de 2017




Nel mezzo del Camin…

Olavo Bilac

       Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
      E triste, e triste e fatigado eu vinha.
     Tinhas a alma de sonhos povoada,
          E alma de sonhos povoada eu tinha…

E paramos de súbito na estrada
       Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
   Tive da luz que teu olhar continha.

   Hoje segues de novo… Na partida
         Nem o pranto os teus olhos umedece,
      Nem te comove a dor da despedida.

     E eu, solitário, volto a face, e tremo,
  Vendo o teu vulto que desaparece
         Na
extrema curva do caminho extremo.


domingo, 1 de outubro de 2017




Trovinhas

No deserto escaldante
Da minha vida vazia
Não tenho sequer a sombra
Desta tua companhia



Meus cabelos eram  pretos.
Agora fiquei  grisalho.
Na verdade, foram beijos
Enviados pelo orvalho.


“Quem canta espanta seus males”,
Assim que diz o ditado.
Espanto também os outros,

Se eu canto desafinado.


Homem, ao passar dos anos,
Sofre tantos desatinos:
Costuma não ver de perto,
Mas vê de longe os cretinos


Contigo vivo sonhando,
Aos poucos me consumindo...
Contigo sonho acordado,
Contigo sonho dormindo.






GERALDO DE CASTRO PEREIRA

quarta-feira, 27 de setembro de 2017





TEIA DE ARANHA


Tece a aranha a sua teia
Devagar, fio por fio.
Age por sobrevivência,
Este é o seu desafio.

Sua teia é sua casa,
Caem nela os insetos,
Que volitam pelos ares,
Distraídos e inquietos.

Também teci minha teia,
Como fazem as aranhas.
 Coloquei mil armadilhas,
Nela pus mil artimanhas.

Mas, um dia fui incauto,
Caminhei, corri a esmo.
Tropecei na minha teia:
Fiquei preso de mim mesmo!




AUTOR: GERALDO DE CASTRO PEREIRA

quinta-feira, 21 de setembro de 2017



Para vc se distrair


Qual é o fim da picada?
-Quando o mosquito vai embora.

Qual a comida que liga e desliga?
-O strog-on-off.

Como se faz para ganhar um  choquito?
-Coloque o dedinho na tomadita.

Qual o vinho que não tem álcool?
-Ovinho de codorna.

O que a banana suicida falou?
-Macacos me mordam.

Como o elétron atende ao telefone?
-Próton.

Qual  a parte do corpo que cheira bacalhau?
-O nariz.

Por que as estrelas não fazem miau?
Porque astro-no-mia.

Como se trata olho gordo
-com colírio diet.

domingo, 17 de setembro de 2017




ADÃO  E   EVA


Autor: Sidney Moraes (Rio Bonito)


Existem certas pessoas, carentes de entendimento,
Que acham que não foi Deus que criou o casamento.
A principio lhes parece que não foi conveniente
Unir dois seres avessos, de fato bem diferentes.
Mas nós, que somos cristãos e temos boa memória,
Sabemos muito bem como surgiu essa história.
Adão andava ocupado, trabalhando com capricho,
Se esforçando o dia inteiro,pensando em nome de bicho:
Era tigre, porco, tatu, macaco, alce, leão.
Adão andava inspirado e foi mesmo abençoado com tanta Imaginação.
Mas, é possível que o sujeito também tenha reparado
Que todo animal macho tinha uma fêmea do seu lado.
E Deus, por demais atento, sondando-lhe o coração,
Decidiu que era preciso dar um fim à solidão e disse-lhe:
- Adão, filho querido, não quero te ver tão só;
Darei por companheira uma joia de primeira, da costela e não do pó.
E, pondo Deus em ação aquilo que pretendia,
Nocauteou nosso Adão, dando início à cirurgia.
E Deus cortou-lhe o osso, pondo carne no lugar.
E assim fez a princesa, esperando ele acordar.
Quando o varão despertou daquele sono pesado,
O corte da cirurgia já tinha cicatrizado,
E Deus trouxe a varoa e a entregou a Adão,
E ouviu um brado de glória e a seguinte exclamação:
-"Ela é carne da minha carne. Ela osso do meu osso".
E adão foi pra galera e fez aquele alvoroço.
E, a partir daquele dia, o homem, bem mais ocupado,
Deixou pra trás muitos bichos sem o nome catalogado.
E até hoje rola um papo, bem machista e corriqueiro,
De que o homem é mais importante, porque foi feito primeiro.
Algumas mulheres se irritam e afirmam, de arma em punho,
Que a vinda da obra-prima vem sempre após o rascunho.
Mas há homens que falam, e há mesmo quem acredite,
Que Deus fez Adão primeiro para Eva não dar palpite.
Mas isso é irrelevante pro sucesso da vida a dois.
Pra ser feliz, não importa quem veio antes ou depois,
Porque Deus fez tudo perfeito - discorde quem quiser.
Mas o melhor da mulher é o  homem,
E o melhor do homem é a mulher.


segunda-feira, 11 de setembro de 2017



CONTRASTE

“Quando partimos no verdor dos anos
Da vida pela estrada florescente,
As esperanças vão conosco à frente,
E vão ficando atrás os desenganos.


Rindo e cantando, céleres, ufanos,
Vamos marchando descuidosamente;
Eis que chega a velhice, de repente,
Desfazendo ilusões, matando enganos.


Então, nós enxergamos claramente
Como a existência é rápida e falaz,

E vemos que sucede, exatamente,

O contrário dos tempos de rapaz:
Os desenganos vão conosco à frente,
E as esperanças vão ficando atrás!”



Padre Antonio Thomaz

quarta-feira, 6 de setembro de 2017



OS   POEMAS

MÁRIO QUINTANA


Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


segunda-feira, 28 de agosto de 2017



BARATA OU CARO


(Nanoconto)


Joseph, alemão, natural de Berlim, era um senhor de sessenta anos.Veio morar no Brasil aos vinte anos de idade.Quando aqui chegou, aconselharam-no a residir numa colônia de pomeranos numa cidade denominada Santa Leopoldina, no Estado do Espírito Santo.
Lá foi trabalhar numa lavoura de café. Casou-se com a linda filha do dono da propriedade.
 Joseph tinha muita dificuldade com a língua portuguesa. O maior empecilho era o gênero das palavras. Difícil para ele distinguir os vocábulos femininos dos masculinos. Dizia, por exemplo: “boi gorda, gato velha etc.
Um dia, foi visitar um parente em Vitória. Pegou sua caminhonete
Na estrada sentiu fome. Viu um barzinho muito simples. Encostou seu veículo e perguntou qual o prato do dia.
 O dono do estabelecimento lhe disse::”frango à passarinho”.
Sentou-se a uma velha mesinha, quase caindo aos pedaços. Pediu então o tal do franguinho à passarinho.
Estava um tempo muito nublado e frio e o local era muito mal iluminado. Veio a comida.
Enquanto se deliciava com a refeição, um rapaz chegou perto dele, olhou a comida e viu que no meio dos pedaços de frango havia muitas baratas fritas.
Então, disse ao homem:
“O senhor está comendo muita barata’”.
E o alemão virou-se para o moço e lhe respondeu:
“Comida muito gostoso. Barata ou caro, quero mais franguinho à passarinha”.
E fez um sinal para o garçom para lhe servir mais uns pedaços de frango misturados com baratas fritas.

Geraldo de Castro Pereira.

sexta-feira, 18 de agosto de 2017




FONTE  DE  CASTÁLIA

A você dediquei o meu carinho
E a elegi como estrela divinal
Que iluminava sempre meu caminho
Com todo o resplendor do seu fanal.

Você me abandonou. Fiquei no escuro.
Não tive mais a luz do seu olhar.
Entre nós foi erguido um grande muro
Que veio ,de uma vez, nos separar.

Da solidão agora amargo o fel.
Você menosprezou o amante fiel
E me impingiu tamanha represália.

Sentindo embora ainda muita mágoa,
Terei saudade de beber da água
Que flui de sua fonte de Castália!



Geraldo de Castro Pereira

Obs; Castália é uma náiade (uma ninfa aquática) que foi transformada por Apolo em nascente de água, perto de Delfos (a Fonte de Castália) e na base do Monte Parnaso.
Castália inspirava o gênio poético daqueles que bebessem das suas águas ou ouvissem o movimento das suas águas. A água sagrada também era usada para as limpezas dos templos em Delfos - Fonte da informação: Google


sexta-feira, 11 de agosto de 2017



Folha Caída

Violento furacão
Sacudiu a a frondosa árvore
Dos meus esperançosos sonhos.
E uma verde folhinha 

Desprendeu-se, solitária,
Esvoaçando-se pelos ares.

Acossada pelo vento,
Subiu, subiu tão alto,
Parecendo uma avezinha,
Ágil e afoita.

Poucas horas depois,
Ei-la tombada
No pó do chão,
Murcha e morta!
Era a folha da esperança!


Geraldo de Castro Pereira


quarta-feira, 9 de agosto de 2017





Assembleia dos Ratos 


Um gato enorme e faminto,
Esperto como uma lebre,
Achou um bando de ratos
Num velho e pobre casebre.

Todo o dia ele caçava
Um rato com sua garra.
E se fartava à vontade,
Fazendo grande algazarra.

Os ratos, apavorados,
criaram um sindicato
Pra acabarem de uma vez
Com esse malvado gato.

Formaram-se comissões;
marcaram uma assembleia.
Dom  Ratão foi logo eleito
Por toda aquela plateia.

E , todos, bem agitados,
Reuniam-se noite e dia,
Três ratazanas bem fortes
Puseram-se de vigia.

Dom Ratão, inteligente,
Matutou um grande plano:
Colocar enorme guizo
No pescoço do bichano.

Convocou outra assembleia
Pra votar o seu intento.
Os ratos compareceram
Cheios de contentamento.

E, por unanimidade,
Deram sua aprovação
À ideia genial
Do seu chefe, Dom Ratão.

Cada rato saberia
-isto seria um colosso –
O paradeiro do gato
Com o guizo no pescoço.

Mas, no fim da reunião,
Velho rato com juízo
Pediu a palavra e disse:
“Boa ideia essa do guizo!

Mas, aqui estou pensando
E meditando comigo:
Quem poria este artefato
No pescoço do inimigo?”

Ante aquela indagação,
Todos eles se calaram.
Botaram o rabo entre as pernas
E logo se dispersaram.

Como moral da história
Escuta esta minha fala:
“É fácil ter uma ideia,
Difícil é executá-la.”
 

OBS: versificação livre por mim feita de uma fábula bem conhecida.

Geraldo  de Castro Pereira 

sábado, 5 de agosto de 2017



Adeus, Árvore da Minha Infância!

Sessenta anos depois!Voltei
Para te encontrar, oh árvore de minha infância!
Estavas morta, com suas raízes arrancadas.
Os pássaros sumiram,
As flores viraram pó.
Despareceram os insetos.
Por que não me esperaste?
Queria morrer e ser enterrado
A teus pés.
 Sinto ainda o perfume de tuas flores
E o aconchego de tua sombra!
Mas, meu sorriso fugiu-me dos lábios
E as lágrimas inundaram a face 
Da minha saudade!


Geraldo de Castro Pereira

segunda-feira, 31 de julho de 2017



SABEDORIA

J. G. DE  ARAÚJO  JORGE

Não te percas em vã filosofia...
O negócio é viver... Vive primeiro!
O pouco que alcançaste é o verdadeiro,
e o resto, sonho só, - tudo utopia.

Deixa passar o que não pode ser!
A esperança do vão, é doentia...
Ergue a mão ao que a mão pode colher
e ao que está longe, esquece e renuncia...

Se tiver que chegar o inesperado,
colhe-o, que essa é a atitude de quem vence:
saber colher o bem predestinado...

A vida é o mais efêmero dos bens.
Nela em verdade, nada te pertence,
nem sabes aonde vais...nem de onde vens...


segunda-feira, 24 de julho de 2017



          O MENINO DE RUA


           Quando eu morava no Rio de Janeiro, em Copacabana, quase todas as manhãs gostava de fazer minhas caminhadas pelo calçadão da Avenida Atlântica. Era um vaivém de pessoas, quase se esbarrando umas contra as outras.
           Um dia, saí de casa mais cedo. Fazia um frio daqueles. Peguei um casaco velho e joguei-o sobre os ombros e iniciei o meu percurso costumeiro, desviando-me dos transeuntes e dos cocôs de cachorro.
            Andei uns dois quilômetros. Quando estava já perto da Praia do Leme, parei um pouquinho e vi deitado na areia um menino franzino, de pele escura. Vestia uma bermuda toda suja. Imundo também ele estava e sem camisa. Dormia profundamente.
            Aproximei-me dele. As pessoas transitavam pela calçada, sem sequer lançar um olhar sobre aquele ser humano ali jogado.
           Deu-me um aperto no peito e senti pena do garoto. Lembrei-me da minha sofrida infância. Morava na roça e trabalhava, de sol a sol, com meu pai.
          Não quis acordar a criança. Tirei meu casaco e, bem devagarzinho, coloquei-o sobre aquele corpo ali encolhidinho, certamente com muito frio. 
          O menino devia ter uns oito anos de idade. Talvez não tivesse pai nem mãe, nem ninguém para cuidar dele. Tinha comigo uma nota de cinquenta reais. Consegui enfiá-la no bolso interno do agasalho doado e me afastei. Continuei minha caminhada.
          No dia seguinte – era um sábado – não iria trabalhar. Fui dar uma volta pela linda Praia de Copacabana. E quem eu vi?  Aquele menino, vestido com o meu casaco e vendendo balas.
         Cheguei perto dele e comprei todas as balas e ainda lhe dei dez reais para ele comprar um lanche. Então, perguntei-lhe: “Você vende balas sempre por aqui? Mora onde?”
        Ele respondeu; “Meu pai está preso e minha mãe faleceu. Não tenho irmãos. Quando consigo um dinheirinho, compro balas para revender. E assim vou vivendo. Mas, ontem tive muita sorte: uma pessoa de Deus me deu esse casaco e deixou dentro dele cinquenta reais. Apanhei a grana, tomei um café reforçado. Com o resto, comprei estas balas. E agora o senhor está comprando todas. Deus lhe pague’”.
       Cabisbaixo, deixei o menino e segui andando. Mas, revoltado, gritei: “onde se esconde o pessoal dos Direitos Humanos?”  

       E pensei: “quantas crianças estão morando na rua, em condições infra-humanas, meu Deus!”.  Fechei o punho e dei um soco no ar.

Autor: Geraldo de Castro Pereira

sexta-feira, 21 de julho de 2017


   "SEU" JOÃO DE DEUS

(lembranças da minha infância)


Era um alegre velhinho,
De cor bastante  trigueira.
Era nosso bom vizinho
Doutro lado da porteira.

Todos os dias eu via
O bom velhinho passar.
Com a enxada às costas ia
Para roça trabalhar
.
Trabalhava todo o dia
No seu pequeno roçado.
O sol de cheio batia
Em seu rosto já queimado.

A enxada ia resvalando
Levemente pelo chão,
Enquanto o velho entoava
Linda e sentida canção.

E quando o dia, já findo,
À tarde dava lugar,
Ele deixava, sorrindo,
O seu duro  labutar.

Mas, quando seu vulto sereno
Despontava no caminho,
E, para nós, num aceno,
Esbanjava seu carinho,

Nós, quais pássaros em bando,
Correndo, de pé no chão,
Íamos logo gritando:
“ ê, “seu” , João!  Lá vem “seu” João!  ¨ -

E ele, com toda a presteza,
Para nós feliz sorria.
Dizia-nos,com leveza:
“minhas crianças, bom dia!”
.
E nós – feliz criançada –
como aves a gorjear,
Íamos  sempre à morada
Do “seu” João passear.

Após muita diversão,
Despedíamos, lembrando
Do bom velhinho” seu” João,
Com aquele semblante brando.                      

E assim contente vivia
O nosso velho “seu” João,
Trabalhando todo o dia,
Cheio de calos na mão.

Mas, um dia aconteceu
Quando estava a capinar,
 Um espinho no pé seu
 Sorrateiro, penetrar.

E o pobre velho coitado
Não pôde mais caminhar.
Tinha que ficar deitado,
Sem poder mais trabalhar.

Quando  fui ao Seminário,
Despedi-me, pesaroso,
Do nosso sexagenário
Nesse estado lastimoso.

Mas, horrendo pensamento
Na minha alma vi nascer.
Seria um pressentimento
De jamais torná-lo a ver?.

Muitos anos transcorreram.
Mas, um dia , tão dorido,
Os meus pais me escreveram
Que “seu” João tinha morrido.

Eu fiquei muito tristonho
Com a morte do ”seu” João.
Pareceu-me vê-lo em sonho,
Estendido num caixão.

Longe, eu pensei, sozinho,
com um suspiro profundo:
“¨Está no céu o velhinho,
Pois fez tanto bem no mundoӬ.

Mas, hoje, nele pensando,
Parece-me vê-lo então ,
Com a enxada capinando
   O mato verde do chão.

Geraldo de Castro Pereira


sexta-feira, 14 de julho de 2017



          O MENINO LEVADO DA BRECA

            Joaquim, por todos chamado de “Quinzinho”, era um menino franzino, com suas pernas cheias de perebas devido a picadas de mosquitos. Piolhos fervilhavam em sua cabeça. Andava descalço, porque seus pais não tinham condições de comprar para ele nem sequer um chinelo dos mais baratos. Por isso, os chamados “bichos de pé” faziam a festa entre seus dedos do pé.
           O coitado nasceu e vivia num pequeno sítio. Usava umas calças remendadas, que iam até o joelho, uma camiseta desbotada e um chapeuzinho de palha.
         Mas do que ele mais gostava era caçar passarinhos. Fazia pelotas de barro e as queimava para servirem de projéteis colocados em seu estilingue. Tinha uma pontaria daquelas.
         Sua mãe lhe fizera uma capanga de pano velho. Ele a enchia com as pelotas de barro e saía pelas matas. Voltava para casa com mais de dez passarinhos abatidos pelo seu certeiro estilingue.
        Ele mesmo depenava as avezinhas e as colocava numa panela fervendo.Depois, pedia para sua mãe fritá-las numa grande caçarola. E, sofregamente, devorava tudo com farinha de milho.                                
        Apanhava também tanajuras e enfiava um palito no traseiro delas para fazê-las girar e elas ficavam batendo as asinhas, desesperadas, até morrerem.
        Coitadinhas das cigarras. Amarrava linhas no pescocinho delas para, presas, fazerem-nas voar, como se fossem pequenas pipas. Morriam estranguladas pelas linhas cortantes.
        De noite, pegava uma vara de bambu e a sacudia para capturar morcegos; apanhava vaga-lumes e os colocava dentro de um vidro com algodão para servirem de pequenas lanternas.
        De outra feita, com seu bodoque acertou um beija-flor que avidamente sugava o néctar das flores da paineira exuberante existente no meio de um pasto. Correu com o pássaro na mão, e, alegremente, foi mostrá-lo à sua mãe. Levou uma tremenda represália. Ela lhe disse: ---“meu filho, esta avezinha é de Nossa Senhora. Você não pode fazer-lhe mal”. Dona Filomena, sua mãe, colocou a ave debaixo de uma bacia de alumínio e deu várias batidas por cima. Ao levantar a bacia, a ave estava vivinha e saiu voando, ainda meio tonta.
          Numa bela manhã toda ensolarada, como seu pai estava trabalhando no garimpo já fazia quase um mês, resolveu prender um franguinho dentro de um pequeno armário. Quando seu pai chegou, Quinzinho correu para tirar seu prisioneiro do armário. Qual não foi sua desilusão, ao verificar que o penoso já estava morto e até fedendo. Ele se esqueceu de dar-lhe água e comida e deixar uma fresta para o pobrezinho respirar.
          Certa vez, quando sua mãe estava fazendo doce de marmelo num grande tacho de cobre, o menino ficou ali por perto. De repente, enfiou uma colher de pau no tacho para experimentar a guloseima. A colher caiu, com o doce ainda fervendo, em cima de seu pé. Sem saber o que fazer com tanta dor, mergulhou o pé numa bacia com água, deixando-o em carne viva. E, para complicar a situação, seu pai aplicou um produto na ferida, próprio para tratar aftosas de animais. A ferida agravou-se mais ainda e demorou quase um ano para cicatrizar-se.                                                                 Um dia, montando em um jumentinho, foi levar comida para seu pai, que estava consertando uma estrada de carro de boi cerca de uns cinco quilômetros do sítio. No caminho, do outro lado da cerca de arame, viu um filhote de anum.
   Sem demora, apeou-se do animal, largou a marmita de comida no chão e avançou para cima do filhotinho para apanhá-lo. Nem enxergou a cerca. Ficou todo arranhado pelo arame. Em razão do fato, a comida chegou fria às mãos de seu papai. Levoi dele uma surra daquelas. E seu pai lhe perguntou:
- “para que serve um filhote de anum, uma ave que não canta bonito e se alimenta de vermes e carrapatos de animais?”
“Ah, pai, ele era tão bonitinho! Meu vizinho cria até um urubu em sua casa.”
  Só mesmo coisas de um menino levado da breca! Mas, que divertimentos poderia ter uma criança vivendo numa roça?

Autor: Geraldo de Castro Pereira

domingo, 9 de julho de 2017




A Criança


Este mundo  certamente  
                           
Sem graça pra nós seria, 
                               ,
Se não houvesse criança 
                              ,
Para nos dar alegria.   
   
                            
Sem as crianças o mundo

Perderá suas raízes.

Vamos então protegê-las,

Tornando-as mais felizes.


Fico tristonho ao ver

Desamparada a criança.

Muitas vezes sem um  lar,

Sem os pais, sem esperança.


O trabalho infantil

Deve ser erradicado.

Está na Constituição

Este princípio sagrado.


Trabalhei, quando menino,

Fazendo quase de um tudo,

Em prejuízo à saúde,

Principalmente ao estudo.


Só fui para uma escola

Aos onze anos de idade,

Pois eu morava na roça,

Bem longe da cidade.


No Brasil isto é comum,

Máxime em zonas rurais,

Devido à muita pobreza

E ignorância dos pais.


Que o Estatuto da Criança

Não fique só no papel.

Vamos, pois, fiscalizar

O seu cumprimento fiel.


Autor: Geraldo de Castro Pereira