sexta-feira, 29 de maio de 2015






                S E R E S T A

 
            

               Seresta é uma manifestação musical realizada ao sereno (daí também o nome de serenata), distinguindo-se de “sarau”, que é um concerto musical dentro de casa. Tal distinção foi feita por Paulo Tapajós numa palestra que realizou em Conservatória no ano de 1986.
              Quando eu morava em Belo Horizonte, reunia-me com amigos e promovíamos várias serestas (ou serenatas), com nossos velhos e pobres violões. Mas, sempre de olho na Polícia, que reprimia nossos desafinados concertos em homenagem às queridas namoradas.
               Estou escrevendo sobre esse assunto para lembrar um episódio acontecido em Campina Grande - Paraíba, quando um grupo de boêmios no ano de 1955 fazia uma serenata. Chegou a polícia e apreendeu o violão do líder
.             Inconformado, o grupo contratou como advogado o Dr. Ronaldo Cunha Lima, na época um novel causídico, apaixonado também por serestas. Como sabem, Dr. Ronaldo nasceu em 1936 em João Pessoa e faleceu em 2011, Distinguiu-se na política, sendo antes, advogado, promotor de justiça, professor, deputado estadual do Estado da Paraíba, Deputado Federal, Senador, Governador da Paraíba ,e além de tudo, GRANDE POETA. Seu filho, Cássio Cunha Lima, hoje  é um atuante Senador da República, já tendo sido também Governador do Estado da Paraíba. 
             Mas, voltando ao caso do violão apreendido, Dr.Ronaldo dirigiu-se ao Juiz de Direito numa petição em versos, após devidamente apontar a autoridade coatora.           

            Eis a famosa peça:

“Exmo. Sr.
Dr. Artur Moura,
Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, Doutor, um violão!

Um violão, Doutor, que, na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste, entre os dois, afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas e que povoam a vida,
Sufocando, assim, suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém, seu destino o perpetua:
Ele nasceu para cantar, em plena rua,
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo, pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito!
É crime, porventura, o infeliz,
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado,
Derramando na rua as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza, já, do seu acolhimento.
É somente liberdade, o que pedimos
E, nestes temos, vem pedir deferimento!

Assinado:
Ronaldo Cunha Lima, advogado."


O juiz, por sua vez, despachou também nos seguintes versos:


“Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.

Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.

Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte à rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.

Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.”


O caso ficou conhecido como “habeas-pinho”.

 Geraldo de Castro Pereira.

 

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